Nesse livro, Rothfuss, autor de The KingKiller Chronicles, volta-se inteiramente para uma personagem que, em suas obras anteriores, era apenas uma coadjuvante. Auri, ex-aluna da universidade que Kvote frequentava, é a protagonista dessa história e mostra-nos sua vida no labiríntico subsolo da renomada instituição de ensino, ou, como ela chama o lugar, The Underthing. 

A garota abandonou os estudos acadêmicos por motivos que desconhecemos, todavia, aparenta ser muito talentosa na arte da Nomeação (ramo do conhecimento em que o Nomeador sabe o nome secreto das coisas e pessoas podendo, assim, controlá-las). Esse tipo de magia é tão poderosa que pode levar ao desequilíbrio mental e, possivelmente, foi isso que aconteceu com nossa protagonista.  Esta, de acordo com as palavras do próprio autor, é uma pessoa danificada ("broken") que refugiou-se do mundo exterior.

Em tal refúgio, vemos essa moça peculiar e interessante viver em harmonia com as coisas e os ambientes, tentando compreender a essência de tudo e respeitando o equilíbrio do mundo que a cerca. Os objetos e os aposentos, embora a princípio inanimados, surgem como coadjuvantes dessa novela, uma vez que Auri lhes confere sentimentos e personalidade, numa interação semelhante à loucura, mas que na verdade vai além desta.

Para quem não leu os outros livros da série, essa história vai parecer tratar-se, simplesmente, dos deliríos de uma garota insana. Aqueles que acompanham as aventuras de Kvote, todavia, verão além. Auri pode, sim, ser descrita como mentalmente abalada, mas ela não é só isso: ela aparenta carregar em si grande conhecimento e poder, a despeito de suas fraquezas. E esse, para mim, é o melhor aspecto do livro. 

Nele, somos brindados com uma delicada narrativa acerca de uma personagem feminina que sofreu no passado e que tem marcas profundas de tal sofrimento. Ela, no entanto, é mais do que suas limitações. Sim, precisamos de histórias de mulheres fortes, nesse mundo ainda submetido ao patriarcado. Mas também é importante a existência de historias sobre meninas danificadas pela vida, que, a despeito de suas dores, deram um jeito (até torto, mas ainda assim, um jeito) de seguir em frente. Há heroísmo nas cicatrizes mais profundas, assim como há mais do que simples fantasia nesse linda novela sobre a misteriosa Auri. 




A história é passável. Nada extraordinário ou complicado. Desde o começo você sabe o que vai acontecer. Dizer que há mistério e suspense (como vi dizerem por aí pela internet), seria tolice, pois a história gira em torno da culpa e de escolhas morais, não de algum caso a ser resolvido. Isso, na verdade, teria potencial para me fazer gostar do livro, mas não foi o que aconteceu. Por quê?
Bom, o livro é cheio de estereótipos de gênero batidos, constituindo-se em um amontoado impresso de desfavores à igualdade. Há mulheres que não se importam em fazer comentários sexistas porque “há coisas piores nessa vida do que ser sexista”; também tem personagens femininas que só se sentem felizes consigo mesmas após terem sua aparência aprovada por homens; e, acima de tudo, há por toda a narrativa a disseminação de uma forma horrível de se tratar mulheres gordas. Ou seja: há sexismo espalhado disfarçadamente pela maioria das páginas. ⠀
Aparentemente, a autora tenta minimizar o machismo latente do livro. Ela mostra, por exemplo, uma menininha de seis anos que quer uma festa de piratas (tema geralmente tido como masculino) e faz a mãe dessa garotinha se preocupar com “positive body image”; essas tentativas, no entanto, parecem efêmeras, quando levamos em conta a quantidade e força das mensagens subliminarmente machistas que povoam a história. Principalmente no que se refere à gordofobia (um assunto muito pertinente ao feminismo, diga-se de passagem). ⠀
A melhor amiga e prima de uma das personagens principais era obesa e perdeu quarenta quilos. A forma como essa personagem – Felicity – é descrita quando pesava mais quase chegou a partir meu coração. Ela foi chamada pela narradora de bebê de elefante e foi descrita como “uma mulher bela presa em um corpo gordo”. Foi preciso Felicity perder 40 quilos e ser desejada pelos homens para sentir-se bonita e encontrar a felicidade e o amor; antes disso, ela vivia à sombra do relacionamento de sua melhor amiga, como espectadora privilegiada de uma vida que não poderia ter, devido à sua gordura. 
Sim, mulheres gordas são tratadas de forma terrível em nossa sociedade. Isso não justifica, todavia, a forma como a autora escolheu retratar Felicity. Uma coisa é mostrar em uma obra de ficção como a sociedade é; outra completamente distinta é incorporar preconceitos a uma narrativa. Infelizmente, tenho a impressão de que Liane Moriarty acabou por trilhar o segundo caminho. 



Eis aqui mais um livro que trata das mulheres negras dos Estados Unidos. A história se passa na década de 1930 e tem como protagonista a Celie, uma personagem que é submissa, passiva e sofre abusos (sexuais e psicológicos) primeiro de seu pai e depois de seu esposo. Celie decide escrever cartas para Deus, para poder falar sobre as tristezas que passa na vida.
Aos 14 anos ela engravida do homem que acredita ser seu pai. Após o nascimento, o bebê é tirando de sua mãe, e ela só descobre seu paradeiro anos mais tarde. Ainda adolescente, Celie é obrigada a se casar com um homem mais velho e seu marido reproduz os abusos que eram provocados pela figura paterna da garota. Além de ser vítima de violência sexual, física e psicológica, a moça sente-se sozinha, pois sua única irmã é expulsa de casa e acaba partindo para a África, a fim de trabalhar como missionária. Embora fossem muito próximas, elas perdem contato, pois o marido de Celie esconde todas as cartas de sua irmã, o que faz com que a protagonista passe a acreditar na morte de sua parente. 
Em meio a tantas dificuldades Celie conhece Shug, uma mulher sexualmente livre, que desafia os valores do patriarcado e mostra a Celie outras formas de viver e amar. Assim, acompanhamos o processo de libertação da personagem principal, a qual vai tomando as rédeas de seu destino e passando, também, a desafiar a realidade machista que a cerca. Isso ocorre mais para o fim do livro e tal libertação é salientada metaforicamente pelo fato de Celie passar a costurar, usar e vender calças, uma peça de roupa ligada (ao menos naquela época) ao universo masculino. 
Outras personagens femininas fortes fazem-se presentes nessa obra. É o caso de Sofia, a esposa do enteado de Celie, a qual não admite, por exemplo, ser violentada por seu marido. Além disso, é relevante observamos que, no início da história, Celie alimentava ódio contra os homens, devido ao que eles a obrigaram a sofrer. No entanto, ao final do livro, ela faz as pazes com seu esposo, chegando até a ter uma relação de amizade com ele, e relativiza o ódio que sentiu no passado. Ele, por sua vez, compreende o quanto a fez penar. 
Como vários livros que demonstram a realidade de indivíduos pertencentes a grupos sociais explorados, A Cor Púrpura é cheio de momentos tristes. À medida em que a personagem principal vai aprendendo a lutar contra a dominância masculina, no entanto, as coisas vão melhorando, até chegarem a um final feliz. A verdade é que grande parte das mulheres negras que viveram nessa época jamais encontraram liberdade dentro do sistema patriarcal, ou finais felizes para suas histórias. Apesar disso, é bom ler um happy ending e ter suas esperanças na humanidade reafirmadas (mesmo que ilusoriamente :p)



Acabei a leitura de #TheBluestEye, da autoria de #ToniMorrison. Que livro, gente! Que livro. Uau. Assim que terminei de lê-lo pensei: preciso compartilhar com o mundo! Então, vim correndo escrever uma resenha. 😁 Vamos lá?
Através dessa obra – ao meu ver, fantástica – conhecemos Pecola, uma menina negra de 11 anos que vive nos Estados Unidos durante a década de 1940. Seu maior sonho é ter os olhos azuis, para, assim, deixar de ser feia. Preciso de uma pausa para enxugar os olhos. Só o resumo do enredo já me dá vontade de chorar.
Por meio da historia de vários personagens, acompanhamos não somente a vida de Pecola Breedlove, mas também as das norte-americanas negras da década de 40. Vemos como seus destinos eram pesadamente influenciados pela supremacia branca e pelo patriarcado, os quais obrigavam-nas a serem subservientes a quase todo o mundo e a se verem de acordo com os padrões caucasianos de beleza. 
Nessa realidade extremamente preconceituosa e machista, a única coisa pior do que ser uma mulher negra era ser… uma menina negra. Pobre Pecola, calhou de ser justamente o elo mais fraco da corrente social. Devido à essa vulnerabilidade, a menina é abusada sexualmente por seu pai e acaba engravidando. E mesmo assim, tudo que ela deseja é ter olhos azuis…
Escrito de uma maneira engenhosa e expondo até por meio dos capítulos dedicados aos personagens masculinos as mazelas às quais as mulheres negras eram expostas, esse livro me fez chorar várias vezes, devido aos sofrimentos – ficcionais mas, mesmo assim, muito reais – que a pobre menina negra e feiosa foi obrigada a suportar. É interessante observar que essa obra é tida como pertence ao gênero Young Adult, no entanto, é uma leitura repleta de temas sérios e tristes.


The DUFF conta a história de Bianca, uma moça inteligente e um pouco ranzinza que tem duas melhores amigas muito bonitas. Durante uma festa, Bianca é chamada de “Designated Ugly Fat Friend” por um bonitão da escola que estava querendo se aproximar das amigas de Bianca, o Weasley. Além de ter magoado a menina com esse rótulo ofensivo e da fama de “male whore” que o boa pinta possui – e que Bianca desaprova -ambos acabam se envolvendo sexualmente. A história gira, então, em torno dos problemas enfrentados por Bianca em casa (mãe ausente, pai alcoólatra, divórcio), seus encontros sexuais com Weasley (os quais propiciam uma fuga da realidade) e sua relação com as amigas. E o que há de feminista em tudo isso?
Bom, primeiramente, achei interessante o fato de o livro passar a mensagem de que devemos aceitar quem somos. Todos nós somos suscetíveis a inseguranças e o título de DUFF pode acabar sendo imposto a muitos de nós, mas não devemos deixar nosso amor-próprio ser atingido pela opinião de pessoas malvadas. Ou seja, há uma mensagem positiva referente a “body image”. Também gostei do fato de haver uma reprovação do “slut shame”. Nesse sentido, ao fim do livro, Bianca percebe não ser justo ou certo julgar as pessoas pela quantidade de gente com quem elas fizeram sexo. Acho muito construtiva a presença desses temas em um livro para adolescentes, portanto, thumbs up para a autora. Mas existem também pontos que merecem ser discutidos.
De acordo com o que andei lendo, a comunidade leitora anglófona reconheceu Bianca como uma personagem feminista. Um texto muito interessante, no entanto, chamou a atenção para o fato do feminismo de Bianca se manifestar majoritariamente através de reprovação da conduta social dos outros adolescentes – inclusive suas amigas. Embora possamos dizer que a conduta tida como “normal” seja cheia de falhas (e de sexismo), desaprovar o fato de suas amigas descerem até o chão numa pista de dança não faz de você uma feminista. Concordei com o autor desse texto e, pessoalmente, apesar de ter gostado dos temas discutidos no livro, acho essa ressalva ao assumido feminismo da personagem principal uma observação válida.
No fim das contas, vale a pena ler The DUFF? Sim. É uma leitura agradável, rápida e apresenta uma mensagem positiva. Mas existem aspectos no enredo merecedores de reflexão, no que se refere a uma análise feminista da obra. É bom mantê-los em mente ao se acompanhar as aventuras de Bianca.